Thursday 28 December 2017

No Brasil, o paradigma dos Direitos da Terra

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No Brasil, o paradigma dos Direitos da Terra







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Incorporado às Constituições da Bolívia e Equador, ele abre espaço para concepções jurídicas não antropocêntricas. Mas quais suas implicações concretas? 
Por Tânia Mendizabal (Ana Caroline Brustolin Kummer)
De 11 a 15 de dezembro aconteceu o Fórum Genebra 2017. Dentre inúmeros painéis que o compuseram, um dos grandes destaques foi a 6ª Conferência Internacional Anual dos Direitos da Natureza pela Paz e Desenvolvimento Sustentável.
A Iniciativa surgiu em 2009, em decorrência do acolhimento, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da proposta do Estado Plurinacional da Bolívia, de declarar o dia 22 de abril como o Dia Internacional da Mãe-Terra, reconhecendo que a Terra e os ecossistemas são nossa casa comum. A decisão fortalece os processos realizados no Equador, quer reconheceu em 2008 os direitos de Pachamama (ou Natureza), e na Bolívia, em 2012, onde houve a proclamação da Lei dos Direitos da Mãe Terra. Ambos promulgaram novas constituições e criaram Estados Plurinacionais — Equador em 2008 e Bolívia em 2009 — que adotam medidas ousadas e de vanguarda.
Os dois países marcam o giro não antropocêntrico no âmbito do Direito, constitucionalizando a proposta do Bem Viver em Harmonia com a Natureza e abrem precedentes para que se desencadeie em todo o mundo uma mobilização em defesa dos direitos de Pachamama (Mãe-Terra). Na Nova Zelândia, uma lei atribuiu ao rio Whanganui direitos, como se ele fosse uma pessoa física. Na Índia, a sociedade está mobilizada em favor dos direitos dos rios Ganges e Yamuna, e o assunto está em debate nos tribunais. O México tem uma declaração dos direitos dos rios, aprovada pela sociedade. Na Colômbia, a Corte Constitucional reconheceu, no final de 2016, o rio Atrato como sujeito de direitos, com base em tratados internacionais — ainda que a carta constitucional do país não aborde o tema especificamente.
Bem Viver recupera e eleva a importância da sabedoria dos povos originários do continente latino-americano, submetida há séculos pela imposição universalizante do paradigma moderno antropocêntrico. Para fazê-lo, adota uma nova proposta, que perpassa o âmbito jurídico cultural das sociedades latinas e tem como eixo central a Harmonia, integrando as mais variadas vozes marginalizadas ao longo desse processo colonizador.
No VII Congresso Constitucionalismo e Democracia Latino-Americano, realizado de 26 a 29 de novembro de 2017 em Fortaleza, a líder Naiara, da etnia Tukano, unida aos povos Pitaguary e Anace do Ceará e aos congressistas latino-americanos e movimentos sociais presentes, como Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), leu a Carta Manifesto oriunda e elaborada das espontâneas vozes ali somadas. A Carta Manifesto foi apresentada dia 11 de dezembro na 6ª Conferência pela Professora Germana de Oliveira Moraes, da Universidade Federal do Ceará.
TEXTO-MEIO
O documento proposto, que poderá vir a se tornar a Carta Universal dos Direitos da Natureza, apresenta uma mudança paradigmática, eliminando as fronteiras alimentadas pelo paradigma antropocêntrico e buscando  convergência e esforços para solucionar a atual emergência global. Em seus parágrafos está inserido o conceito segundo o qual somos todos parte de um orgânismo vivo, Pachamama, e diante dessa nova compreensão, somos irmãos dos rios, dos pássaros, das árvores e das montanhas, pois todos viemos de um mesmo útero, nossa Mãe Terra.
Em 12 de dezembro, o Movimento Nación Pachamama, abordou, no Painel de Diálogos da ONU, os avanços brasileiros em direção ao novo constitucionalismo latino-americano. Apresentou a criação coletiva de muitos movimentos sociais nacionais, tribos indígenas, artistas, juristas e ambientalistas que se mobilizaram em 5 de novembro em mais de 30 cidades em todo o país. A mobilização, denominada Pororoca da Nação das Águas, que relembrou os dois anos do criminoso desastre de Mariana, também deu suporte à iniciativa inovadora no Brasil, em convergência com esse novo paradigma, para que o Rio Doce seja reconhecido juridicamente como sujeito de direitos e que seja feito um plano de prevenção a desastres para proteger toda a população da bacia do rio.
Embora os avanços nacionais pelos direitos da natureza sejam tímidos, o redator da ação do Rio Doce, Lafayete Novaes Sobrinho que também participou do VII Congresso Constitucionalismo e Democracia, comemora, afirmando ser “uma experiência inovadora no Brasil, que inicia o debate pelo reconhecimento dos direitos da natureza. […] Estamos propondo uma revolução cultural, uma mudança na maneira, na forma de ver e pertencer à natureza”
Em 2016, as Nações Unidas realizaram, além dos eventos anuais presenciais, um diálogo virtual entre especialistas em jurisprudência da Terra em todo o mundo. Aderiram mais de 120 especialistas líderes na vanguarda das ciências naturais e sociais, de 33 nacionalidades — 36 representantes da América do Sul, sendo 20 do Brasil.  Os diálogos encontram-se disponíveis aqui
Saiba mais sobre a Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino americano clicando aqui. Veja aqui a ação inédita do Rio Doce que coloca o Brasil rumo ao reconhecimento dos direitos da Natureza no Brasil.
A Carta de Fortaleza: Manifesto Pachamama esta disponível para assinatura aqui.
Leia a íntegra do Manifesto
7º Congresso Internacional Constitucionalismo e Democracia – o novo constitucionalismo latino americano – Harmonia com a Natureza e Bem Viver
Carta de Fortaleza: Manifesto Pachamama
Somos um só organismo vivo. Somos a Mãe Terra: Pachamama. Parece que estamos separados, no entanto, tudo o que existe nasce do mesmo ventre. Águas, pássaros, flores, pessoas e montanhas somos expressões complementares de um ser vivo, coletivo e cíclico. Os processos culturais que conduziram à perda desta consciência fizeram com que a humanidade se visse destacada, colocando-se acima de Pachamama.
Por causa desta desconexão com a Mãe Terra, chegamos a uma situação insustentável. Paisagens naturais tornaram-se irreconhecíveis, as sementes são modificadas, áreas cultiváveis ficaram estéreis, solidão e depressão assolam as pessoas, desigualdades sociais e regionais se acentuam, guerras são deflagradas, os pólos estão derretendo, a vida selvagem está desaparecendo, povos são dizimados, o flagelo dos imigrantes se agrava, e a própria existência humana encontra-se ameaçada. É preciso parar, refletir, buscar e tecer convergências curadoras desses desequilíbrios.
A quebra da Harmonia com a Natureza revela-nos a necessidade de recriar a forma de nos relacionarmos e de solucionar conflitos, de propor novos modelos econômicos e de rever hábitos de produção e de consumo. Isso impõe a recriação do Direito, como nos aponta o Constitucionalismo Andino transformador. O cenário de emergência global nos leva a compreender como a Harmonia é essencial à Vida. O resgate da compreensão da interdependência entre todos os seres e destes com os ciclos naturais, conclama que realizemos com urgência uma aliança entre os saberes, a favor da Vida e pelo reconhecimento, nos âmbitos internacional, regionais, nacionais e locais, dos direitos da Mãe Terra e do princípio da Harmonia.
Ao reconhecer que somos uma comunidade de seres reciprocamente complementares, a Mãe Terra, deixamos de lado a separatividade, e abrigamos a toda a Vida sob o princípio do direito a viver em Harmonia. Direitos de Pachamama e direitos humanos são faces complementares do Bem Viver, uma solução ao atual dilema da Humanidade. O Bem Viver apresenta possibilidades de um maior alcance de realização plena desses direitos, nas dimensões ecológicas, sociais, econômicas e espirituais. Defender os direitos humanos é defender os direitos da Mãe Terra. Defender os direitos da Mãe Terra é defender os direitos humanos.
Considerando a meta 12.8 da Agenda 2030 das Nações Unidas de garantir às pessoas, em todos os lugares, informação relevante e conscientização para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em Harmonia com a Natureza, e as convergências entre a Declaração Universal dos Direitos de la Madre Tierra, de Cochabamba, de 2010 e o Manifesto de Oslo, de 2016 (Oslo Manifesto for Ecological Law and Governance),  subscrevemos estes documentos no que se referem aos direitos da Mãe Terra e ao princípio da Harmonia com a Natureza.
Consideramos dever da Humanidade, dos Estados, das sociedades civis, de todos os povos e de todas as pessoas, assumir com prontidão, diligência e presteza o papel de cuidadoras e de cuidadores da Vida e promover imediatamente os princípios ético-jurídicos da Harmonia com a Natureza e o reconhecimento dos Direitos de Pachamama.
Fortaleza, 29 de novembro de 2017

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