Tuesday 11 October 2011

Festa de São Cosmo e Damião – Serviço Ecossistêmico Cultural do pantanal de São Pedro de Joselândia

Pesquisa de Campo – Festa de São Cosmo e Damião
Lucia Shiguemi Izawa Kawahara
23 a 26/setembro/2011

O presente relatório apresenta alguns resultados da pesquisa realizada durante os preparativos e a celebração da Festa de São Cosmo e Damião na comunidade de São Pedro de Joselândia, no município de Barão de Melgaço, Pantanal matogrossense. A pesquisa fenomenológica buscou conhecer por meio de entrevistas e observações, as relações que o serviço ecossistêmico cultural estabelece com outros serviços ecossistêmicos, procurando compreender a manifestação cultural à luz dos princípios da Educação Ambiental Pós-critica.


A festa, considerada um serviço ecossistêmico cultural , realizada em Setembro pela família representa uma das formas de expressão identitária cultural desta comunidade, pois reúne os ingredientes necessários à construção de uma identidade comunitária (BHABHA, 1998; HALL, 2006) ao agregar num só evento o trabalho coletivo, a arte nas mais variadas formas conjugadas em torno da fé compartilhada.

Segundo os dados da Avaliação Ecossistêmica do Milênio – AEM, coordenada e patrocinada pelas Nações Unidas, não há como negar a intrínseca relação entre a natureza e a cultura, e os impactos que ambos causam entre si. Ao avaliar as relações entre os ecossistemas e o bem estar humano, o relatório da AEM categoriza quatro serviços ecossistêmicos (suporte, provisão, regulação e cultura) que se interagem e formam uma unidade funcional complexa do planeta.


Serviços Ecossistêmicos Culturais são benefícios não-materiais obtidos dos ecossistemas, subdivididos em seis categorias, a saber: Valores Religiosos e Espirituais; Identidade Cultural (Sistema de conhecimento e valores educacionais); Inspiração; Valores Patrimoniais (Relações Sociais e Senso de Espaço/Territorialidade); Valores Estéticos; Recreação e Ecoturismo. A Festa de São Cosmo e Damião, bem como as outras festas celebradas nesta comunidade abrangem todas as seis categorias como Serviço Cultural.



Na festa de São Cosmo e Damião, encontramos comida farta – serviços de provisão, regulação, distribuída gratuitamente, o seu preparo e sua oferta, segundo Certeau, expressam os valores e os conhecimentos específicos de cada comunidade, pois “constituem um domínio em que a tradição e a inovação têm a mesma importância, em que o presente e o passado se entrelaçam para satisfazer a necessidade do momento, trazer a alegria de um instante e convir às circunstâncias”. (CERTEAU, GIARD E MAYOL, 1996, p. 212).


Existem nas “formas de fazer” pantaneiro, algumas “táticas” de resistência e saberes construídos coletivamente da qual a Educação Ambiental é defensora: a “criatividade cotidiana” como nos ensina Certeau (1996), imprescindíveis à construção de sociedades sustentáveis (SATO, 2011). As pessoas de São Pedro de Joselândia revelam uma habilidade em viver em diálogo com a natureza, se ajustando e construindo saberes e táticas pertinentes e específicas às estações de chuva e de seca – serviços ecossistêmicos de regulação. A comunidade demonstra saber alternar as táticas do cotidiano conforme a época e situação lhes exigem, os festeiros, pessoas que contribuirão com donativos à festa, são garantidos no último dia da própria festa e assim, ainda que as águas da cheia separem as pessoas, elas ficam conectadas pelo compromisso firmado no tempo da seca.


Por certo que haverá reflexões necessárias sobre os impactos que a realização desta tradição causa ao meio ambiente (SOUZA SANTOS, 2005). A relação desta festa - serviço cultural com os demais serviços de suporte, regulação e provisão precisa ser colocada em pauta para diálogos com a comunidade, uma vez que eles próprios começam a verificar alguns problemas
e diminuição de certos recursos.

As festas são momentos de quebra de temporalidade, quando é possível transcender, realizar a fratura na cotidianidade (Berger, 1985) permitindo aos participantes, a superação da noção temporal moderna e assim, conseguem fortalecer a esperança, a imaginação, criando táticas de continuidade e manutenção da sua identidade cultural. Como afirma Hall, “Todas as identidades estão localizadas no espaço e nos tempos simbólicos.” (2006, p. 71). Assim, estas pessoas vão somando fé e identidade comunitária para dividir trabalho e multiplicar serviços, diminuindo as agruras do cotidiano, ensinando-nos que é possível construir alternativas ao modo hegemônico de vida.

Fotos: Arquivo GPEA-Lucia

Referências
BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
BERGER, Peter L. O dossel sagrado – elembentos para uma teoria sociológica da religão. São Paulo: Paulus, 1985.
CERTEAU, M. de., GIARD, L. e MAYOL, P.. A INVENÇÃO DO COTIDIANO 2 - MORAR, COZINHAR. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10ª Ed.Rio de janeiro: DP&A, 2005.
SANTOS, Boaventura de Souza., MENEZES, Maria de Paula G. de., NUNES, João Arriscado. Semear Outras Soluções: Os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
SATO, M. Canoa: escultura do tempo das águas; Revista Sina, 12 de março de 2001 [download] http://www.revistasina.com.br/portal/articulistas/item/169-canoa-escultura-do-tempo-das-%C3%A1guas.

2 comments:

mimi said...

querida lushi,
muito belo seu relato e olhar... a percepção nas fronteiras dos horizontes que se encontram os limites internos e os externos. E as fotos são lindas!

PARABÉNS

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Regina said...

PARABÉNS Lu. amei o texto, as lindas fotos e a leveza e consistência de sua bela pesquisa.... beijos, Re