Friday 18 April 2014

Aparecido Galdino, profeta da Rubinéia

carta maior
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Aparecido Galdino, profeta da Rubinéia

'O Profeta das Águas', documentário de Leopoldo Nunes mostra a luta dos camponeses pela posse da terra na ditadura civil-militar.


Gérson Trajano
Divulgação

Entre 1972 e 1979, Aparecido Galdino Jacintho ficou preso no manicômio Judiciário de Franco da Rocha, por organizar um “exercito divino”, formado por camponeses, com o objetivo de impedir a criação de uma barragem no rio Paraná para a construção da hidroelétrica de Ilha Solteira e a inundação da pequena cidade de Rubinéia, localizada na divisa dos estados de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo.
 
Preso em 1970, Galdino foi levado para São Paulo pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos piores torturadores do regime civil-militar. Antes de ser enclausurado em Franco da Rocha, ele passou pelas dependências do Dops e do Doi-Codi, onde foi torturado juntamente com outros camponeses. Enquadrado na Lei de Segurança Nacional foi julgado por um tribunal militar.
 
O Profeta das Águas (2005), documentário de Leopoldo Nunes, conta a trajetória de Galdino, mais conhecido como Aparecidão, um vaqueiro analfabeto, místico, que falava sobre o sagrado, o humano e o político ao mesmo tempo para justificar suas ações de vida. Galdino chegou a reunir de uma só vez cerca de 800 pessoas em seus encontros religiosos.
 
O filme é uma reflexão sobre o messianismo no Brasil e a política punitiva do governo militar, que usou manicômios para encarcerar seus opositores. Nunes levou 19 anos para concluir o longa-metragem que foi lançado em 2005. Ele ouviu seguidores do profeta, familiares, policiais que participaram da repressão, jornalistas, colegas de prisão e advogados.
 
Galdino tornou-se um místico e um líder messiânico em sua região ao fazer um apelo desesperado a Deus e ver salvo o seu filho da chifrada de um vaca brava. Sua popularidade como líder religioso cresceu ainda mais pelo fato de, por meio de benzimentos – o que é costume na roça –, curar a bicheira de um animal. 
 
A partir dai, criou em seu sítio uma irmandade que se reunia ao redor de um capela de pau-a-pique, a que deu o nome de Exército Divino. Ele havia idealizado um exército de fiéis de farda com a missão de pregar a palavra sagrada, combater os infiéis e impedir a construção da barragem de Ilha Solteira.
 
No documentário, ele afirma que não montou um exército para combate o exército. “Eu fiz um exército da salvação para que não alterassem o nível do rio e o povo pudesse trabalhar nas barrancas do rio. O homem não tem permissão para interferir na obra divina”.
 
Mas no dia 1º de outubro de 1970, forças militares reprimiram com violência as intenções de Galdino e seu grupo. Presos, eles foram amarrados sobre um caminhão e levados para a cadeia pública de Estrela D’Oeste, onde ficaram por três meses.
 
O que aconteceu em Rubinéia se assemelha a história de Canudos, um movimento que tem um viés aparentemente messiânico, mas que coloca em xeque a questão da propriedade da terra, e que é transformado nos primeiros anos do regime republicano no Brasil em uma conspiração monarquista. “Dá-se  ao movimento uma dimensão maior do que ele tem para dar uma punição exemplar ao seu líder, Antonio Conselheiro”, diz Alípio Freire, preso político entre 1969 e 1974, companheiro de sela do profeta.
 
Galdino foi acusado de subversivo, mas a Justiça Militar não reuniu provas que pudessem condená-lo, no entanto, não podia absolvê-lo. Foi então que o delegado Fleury  aconselhou os juízes a declararem-no louco e interná-lo no manicômio judiciário. Era o modo puni-lo exemplarmente e de evitar que se transformasse em um mártir.
 
Segundo João Pedro Stedile, coordenador nacional do MST, os movimentos messiânicos no Brasil e na America Latina nos séculos XIX e XX são pré-politizados. Por uma falta da consciência política de classe, os camponeses só se reconhecem como pobres e filhos de Deus.
 
Desta forma, na ausência de uma interpretação científica da luta de classes, na ausência de consegui interpretar os problemas e as contradições que um novo modelo econômico gera na comunidade rural, os camponeses na sua ingenuidade apelam para a fé, para a religiosidade.
 
“Eles passam a devotar a saída da sua situação de miséria a algum santo, ou transformam os pregadores, os benzedores, os tribunos populares, em seu líderes messiânicos”, diz Stélide.
 
A fé e a  política são os eixos principais do filme de Nunes. Juntos com a psiquiatria repressiva e a questão ambiental. Tudo se passa no auge da repressão da ditadura civil-militar, em contraste com o sonho de um Brasil Grande, onde a questão energética é central, assim como a luta pela terra, seu valor para quem nela trabalha, a questão da propriedade e da posse, temas a serem debatidos pelos brasileiros.

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